O meio ambiente ecologicamente equilibrado é reconhecido como direito fundamental e por isso é direito primário, cujos atributos são a irrenunciabilidade, a inalienabilidade e a imprescritibilidade. Trata-se de direito difuso. Direito Difuso é aquele que possui como características a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa litigiosidade interna, a modificação no tempo e no espaço (ex. se o ambiente se modifica, se modifica também o direito).
O direito ao meio ambiente é considerado direito de terceira geração, fundado na fraternidade e solidariedade, sua estrutura impõe obrigações negativas (não fazer) e positivas ao Estado e à Sociedade. Seu exercício pode ocorrer de forma individual ou coletiva.
O direito ao meio ambiente se traduz em uma proteção ao direito à vida e vida com qualidade, com dignidade, sendo uma de suas manifestações. A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental da República Federativa do Brasil e uma das formas de ser alcançado é através da qualidade de vida, ou vida saudável, que se refere aos instrumentos que garantem além da sobrevivência ou subsistência, direitos como o ambiente saudável, cultura, lazer, esporte, educação, transporte, habitação, dentre outros.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, aqui a interpretação deve ser no sentido de abranger qualquer pessoa, independente de residência no país, garantido a brasileiros e estrangeiros.
Mas “todos” poderia se referir também a outros seres vivos?
Antônio Herman Benjamin ao responder essa questão faz a seguinte análise:
A dilatação dos fundamentos éticos da proteção do meio ambiente como traço marcante do Direito Ambiental como visto hoje, ainda não logrou abertamente referendar, no patamar constitucional, o uso dessa técnica de superação do antropocentrismo reducionista; o máximo que se conseguiu foi a adoção de formas mais discretas e diluídas, mas nem por isso menos efetivas, de incorporação de um biocentrismo mitigado
[...]
O constituinte desenhou um regime de direitos de filiação antropocêntrica temporalmente mitigada (com titularidade conferida também às futuras gerações), atrelado, de modo surpreendente, a um feixe de obrigações com beneficiários que vão além, muito além, da reduzida esfera daquilo que se chama humanidade. Se é certo que não se chega, pela via direta, a atribuir direitos à natureza, o legislador constitucional não hesitou em nela reconhecer valor intrínseco, estatuindo deveres a serem cobrados dos sujeitos-humanos em favor dos elementos bióticos e abióticos que compõem as bases da vida. De uma forma ou de outra, o paradigma do homem como prius é irreversivelmente trincado.
A nossa Constituição da República elenca no art. 225, os princípios que sustentam toda nossa ordem jurídica de proteção ao meio ambiente que são dirigidos ao povo e ao Poder Público como dever e direito:
1 Sadia qualidade de vida através do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
2 Defesa, proteção, do meio ambiente.
3 Preservação do meio ambiente.
4 Diversidade do patrimônio genético do país.
5 Integridade do patrimônio genético do país.
Todos esses princípios são reflexos de outro que implicitamente está inserido no artigo em comento, o da dignidade da pessoa humana. Não se trata de um princípio superior aos demais, mas um princípio que justifica os demais.
O ser humano é o centro da ordem jurídica é em prol dele que ocorre toda sistemática de obrigações e direitos, porque não existe outro parâmetro para se buscar o que é bom, o que não implica em uma exclusão de uma ótica preservacionista que preza os valores intrínsecos ou sentimento de dignidade inerente a cada ser vivo, plantas, animais...
O que de fato se pode afirmar é que o meio ambiente não é um lugar ou uma situação dista do ser humano, ao contrário, o humano está nele inserido e, portanto, todas as normas de preservação e proteção não podem ser analisadas de forma isolada de seu contexto político, social, econômico, cultural.
Os princípios da sadia qualidade de vida, bem como a integridade e diversidade do patrimônio genético do país, que devem ser preservadas implicam logicamente em um dever de proteção à saúde, direito à informação sobre sua carga genética e os riscos a que está propenso em razão dela, para que se pratique uma medicina preventiva, inclusive mediante adaptação da alimentação em razão dela.
A coletividade vista sob o ângulo de cada um de seus membros, possuem valores individuais e coletivos a defender e preservar, o meio ambiente se insere em ambos, porque a pessoa não pode ser vista isolada de tudo o que a envolve. Quanto se propõe uma separação do ser humano e do meio ambiente como duas esferas isoladas ocorre uma “alienação do poder”, as pessoas não se sentem como coobrigadas ao dever de preservar o meio ambiente e ficam na dependência de atitudes do poder público de quem cobra ações, porque se acredita sujeito de direito, mas com quem não coopera, porque não se vê como sujeito participante do sistema.
Assim se pode perceber que essa passividade ou alienação é resultado de uma má formação educacional, aqui não se falando apenas do sistema educacional que se restringe ao âmbito escolar, mas de toda a formação da pessoa, de forma cultural, moral, ética. Daí a questão longe de ser resolvida se mostra mais complexa, dependente de uma revolução cultural e ética que mexa com todas as camadas da sociedade.
Por enquanto, para que ocorra a preservação de um ambiente ecologicamente equilibrado o instrumento mais eficaz é o Poder Judiciário, imparcial e impessoal que decide as questões e impõe obrigações de fazer ou não fazer ao Poder Público e à coletividade ou ao indivíduo. Também o Ministério Público que através do exercício de suas atribuições legais e constitucionais cobra atitudes e omissões tanto do Poder Público como da coletividade ou do indivíduo, levando-as ao Judiciário quanto não as resolve extrajudicialmente.
Referência:
BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira In: Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.